terça-feira, 27 de novembro de 2012

O Inferno em que Rob Bell se Meteu


O Inferno em que Rob Bell se Meteu


Acabo de ler a entrevista que Rob Bell deu à revista VEJA desta semana (28/11/2012) com o título “Quem falou em céu e inferno?”. A entrevista provocou intensa polêmica nas redes sociais. Rob Bell se tornou uma figura polêmica quando passou a pregar a salvação de todos os seres humanos no final (universalismo) negando, assim, a realidade do inferno. Este ano ele deixou a igreja que fundou, a Mars Hill Bible Church – não confundir com a Mars Hill Church do Mark Driscoll, uma não tem nada a ver com a outra – para se dedicar ao ministério itinerante percorrendo, segundo a revista VEJA, “o mesmo circuito das bandas de rock”.
Inteligente, carismático, conectado e bom comunicador, Rob Bell tem atraído muitos jovens evangélicos no Brasil, especialmente após o lançamento de seu livro O Amor Vence no ano passado e seus vídeos muito bem produzidos no YouTube.
Achei a entrevista dele extremamente esclarecedora, mesmo considerando que estas entrevistas são editadas e por vezes amputadas pelos editores e raramente publicadas na íntegra. Se o que temos na VEJA é realmente o pensamento de Rob Bell, então declaro aqui que poucas vezes na minha vida vi uma figura religiosa de prestígio se contradizer tanto em um espaço tão curto. É por isto que esta entrevista é esclarecedora. Qualquer evangélico de bom senso, que tenha um mínimo de conhecimento bíblico e que saiba seguir um raciocínio de maneira lógica irá se perguntar o que Rob Bell tem que atrai tanta gente.
Vou começar reconhecendo o que não há de tão ruim na entrevista. Bell se posiciona contra o aborto e reconhece as limitações do darwinismo para explicar a totalidade da existência, embora aceite que Deus poderia ter usado o processo evolutivo como o método da vida.  
Bell também está certo quando diz que céu e inferno são “como dimensões da nossa existência aqui e agora”. Concordo com ele. Os ímpios já experimentam aqui e agora, alguns mais e outros menos, os sofrimentos iniciais do inferno que se avizinha. Da mesma forma, os salvos pela fé em Cristo, pela graça, já experimentam o céu aqui e agora, embora de forma limitada. Lembremos que Jesus disse que quem crê nele já tem a vida eterna. O Espírito em nós é o penhor da nossa herança e nos proporciona um gosto antecipado do que haverá de vir.
Surpreendente para mim foi ver que nesta entrevista Bell não nega o céu ou o inferno depois da morte, mas sim que possamos saber com certeza que eles existem depois da morte. Nas suas próprias palavras, “acredito que céu e inferno são realidades que se estendem para a dimensão para a qual vamos ao morrer, mas aí já entramos no campo da especulação”. A “bronca” dele é com a certeza e a convicção que as igrejas e os evangélicos têm de que após a morte existe céu e inferno. “Vamos pelo menos ser honestos. Ninguém sabe o que acontece quando morremos. Não tem fotografia, não tem vídeo”. É claro que, por este critério, também não podemos ter certeza se Deus existe ou que Jesus existiu, pois não temos nem foto nem vídeo deles – que eu saiba...
Nesta mesma linha, ao se referir ao fato de que acredita que Deus ao final vai conquistar todos, diz “não sei se isso vai acontecer, também não sei o que acontece quando morremos.”
Então, tá. Não sabemos o que acontece depois da morte. Mas é aí que começam as contradições de Rob Bell. Ao ser perguntado se Gandhi, que não era cristão, estaria no inferno, ele responde “acredito que está com o Deus que tanto amou”. Isso só pode ser o céu, certo? A resposta coerente e honesta com seu pressuposto seria “não sei”.
Da mesma forma, quando a revista pergunta sobre Hitler, se ele está no céu, Bell responde que Deus deu a Hitler o que Hitler buscou a vida toda, “infernos para si e para os outros”. E acrescenta “qualquer reconciliação ou perdão, nesse caso, está além da minha compreensão”. Se esta resposta não quer dizer que Hitler recebeu o inferno da parte de Deus depois da morte não sei o que mais poderia representar. A resposta coerente e honesta deveria ter sido esta: “não sei”, o que significa dizer que ele admite a possibilidade de Hitler ter ido para o céu.
À certa altura o jornalista perspicaz indaga acerca do livre arbítrio: “não existe escolha, então, ninguém pode dizer não ao paraíso?” E Bell retruca, “acho que você pode dizer não ao paraíso e neste caso talvez você fique em algum estado de rejeição ou resistência. Talvez seja esse o estado que as pessoas chamam de ‘inferno’”. Bom, parece por esta resposta que para Bell o inferno é na verdade o céu, só que os condenados no céu viverão em estado constante de rejeição e resistência a Deus. Mas, qual o céu disto e neste ponto, em que difere do inferno? Vá entender... e é claro, de onde ele tirou esta ideia? Se não temos na Bíblia informação suficiente para saber se o céu e o inferno existem, muito menos para uma teoria destas.
Não é difícil identificarmos as origens destas contradições tão óbvias no pensamento de Rob Bell.
A primeira e mais importante é que ele rejeita o ensino de Jesus Cristo nos Evangelhos sobre o inferno e o céu. Se Jesus era a personificação do Deus que é amor – e amor é, para Bell, o mais importante, senão o único, atributo de Deus – este é um fato que não pode ser desprezado. Eis alguns poucos exemplos:
·        Mat 5:22  Eu, porém, vos digo que todo aquele que sem motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao infernode fogo.
·        Mat 5:29 Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno.
·        Mat 5:30  E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo para oinferno.
·        Mat 10:28  Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo.
·        Mat 11:23  Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura, até ao céu? Descerás até aoinferno; porque, se em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecido até ao dia de hoje.
·        Mat 16:18  Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
·        Mat 18:9  Se um dos teus olhos te faz tropeçar, arranca-o e lança-o fora de ti; melhor é entrares na vida com um só dos teus olhos do que, tendo dois, seres lançado no inferno de fogo.
·        Mat 23:15  Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós!
·        Mat 23:33  Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação doinferno?
·        Marcos 9:43  E, se tua mão te faz tropeçar, corta-a; pois é melhor entrares maneta na vida do que, tendo as duas mãos, ires para o inferno, para o fogo inextinguível
·        Marcos 9:45  E, se teu pé te faz tropeçar, corta-o; é melhor entrares na vida aleijado do que, tendo os dois pés, seres lançado no inferno
·        Marcos 9:47  E, se um dos teus olhos te faz tropeçar, arranca-o; é melhor entrares no reino de Deus com um só dos teus olhos do que, tendo os dois seres lançado noinferno,
·        Lucas 10:15  Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura, até ao céu? Descerás até aoinferno.
·        Lucas 12:5  Eu, porém, vos mostrarei a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno. Sim, digo-vos, a esse deveis temer.
·        Lucas 16:23  No inferno, estando em tormentos, levantou os olhos e viu ao longe a Abraão e Lázaro no seu seio.
·       Mat 13:42 e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes.
·       Mat 3:12 A sua pá, ele a tem na mão e limpará completamente a sua eira; recolherá o seu trigo no celeiro, mas queimará a palha em fogo inextinguível.
·       Mat 25:41 Então, o Rei dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. E irão estes para ocastigo eterno, porém os justos, para a vida eterna.
·       João 15:6 Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam.
·       Mat 22:13 Então, ordenou o rei aos serventes: Amarrai-o de pés e mãos e lançai-o para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes.
As referências de Jesus ao inferno, como o castigo eterno dos ímpios, formam reconhecidamente um dos temas dominantes do ensino dele, como pode ser claramente visto acima. Contudo, Rob Bell afirma contra todas as evidências que Jesus falou muito mais do sofrimento real que as pessoas têm aqui neste mundo. É claro que o Senhor Jesus se preocupou com o sofrimento presente, mas consistentemente, como pode ser visto nas passagens acima, ele nos avisa que o sofrimento eterno é muito pior.
O que espanta é o uso seletivo que Rob Bell faz das palavras de Jesus. Ele ignora por completo todas as passagens cima em que Jesus fala do inferno mas se refere à fala dele sobre os sofrimentos físicos. Bell fala várias vezes na mensagem de amor pregada por Jesus. Mas, de onde ele tirou estas informações acerca da pregação de Jesus? Só pode ter sido do Novo Testamento, o único documento que a preservou. Mas, então, por que ele ignora uma das maiores ênfases da pregação de Jesus, que foi o castigo eterno preparado para os ímpios?
Se Rob Bell diz que não podemos ter certeza de que o céu e o inferno existem, como ele pode ter certeza, então, que Jesus pregou sobre o amor e o sofrimento das pessoas neste mundo? Estas coisas todas estão no Novo Testamento. É evidente a interpretação enviesada, preconceituosa e selecionada que ele faz, conservando as passagens que lhe interessam e rejeitando as que o contradizem.
Outra razão para as contradições de Rob Bell é a sua base epistemológica. Ele declara: “nunca fiquei preocupado com sistema doutrinário, nunca me empenhei em ter confirmação de meu dogma.” Tudo bem. Mas, então, o que ela pensa sobre céu e inferno é o que? Para mim, é sistema doutrinário e dogma. É teologia. Mas, onde ele baseia suas ideias, enfim? A resposta é surpreendente: “tive alguns encontros meus, profundos, com o amor de Deus que tiveram sobre mim, digamos, um impacto pré-cognitivo.” Parece que ele teve algumas experiências que serviram para orientar a sua teologia. Aqui o ensino das Escrituras passou longe, como única regra de fé e prática. Bell é mais um daqueles hereges que apela para suas experiências como fonte de autoridade. Nada novo aqui.
E deve ser por isto que o conceito dele sobre Deus é tão equivocado. Deus é amor, diz Bell. Por isto, a salvação universal deve ser o ponto de partida. Para ele, é “incompreensível um cristão que não considera a salvação universal como a melhor saída, a melhor história”. O erro deste raciocínio, evidentemente, é não levar em conta que Deus também é justo, verdadeiro, santo e reto. Não se pode separar os atributos de Deus e não podemos considerá-lo a partir de um destes atributos somente. O amor de Deus deve ser levado em conta juntamente com a sua santidade e sua justiça. Portanto, um cristão verdadeiro não considera o universalismo como a melhor saída ou o melhor fim da história. O melhor fim da história é aquele escrito por Paulo:
Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? (Rom 9:22-24).
A melhor saída é aquela onde Deus expressa a plenitude do seu ser, o seu amor e a sua ira, nos que se salvam e nos que se perdem, no céu e no inferno.
Por fim, Bell faz uma inferência historicamente equivocada em suporte de seu argumento. Afirma ele que “as pessoas mais interessadas em discutir o inferno depois da morte são as menos interessadas em discutir o inferno sobre a terra”. Não há dúvida de que entre os evangélicos que acreditam no céu e no inferno há muitos que não se importam com as questões sociais, mas a afirmação de Bell é uma generalização grosseira. Calvino, Lutero e os demais reformadores criam no inferno e pregavam abertamente sobre ele. Contudo, poucos fizeram tanto para diminuir o sofrimento da Europa de sua época, abrindo escolas, hospitais, orfanatos, brigando contra leis injustas, o monopólio de alimentos e a corrupção do Estado. Outros muitos exemplos poderiam ser dados para contradizer esta falácia de Rob Bell.
Obrigado, revista VEJA, por ter exposto o pensamento de Rob Bell ao Brasil, as suas incoerências, sofismas e as origens de suas ideias estranhas. Como sempre acontece com as seitas, muitos os seguirão. Mas, como nos disse o apóstolo João,
Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos. (1Jo 2:19).

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

SE DEUS NOS AMA,POR QUE SOFREMOS?



SEGUNDA-FEIRA, 26 DE NOVEMBRO DE 2012

SE DEUS NOS AMA ,POR QUE SOFREMOS ?


Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação (2Co 4.17)

Por Hernandes Dias Lopes

O problema do sofrimento não é uma questão apenas filosófica, mas, sobretudo teológica. Temos dificuldade de conciliar o amor de Deus com o sofrimento humano. Os judeus questionaram o amor de Jesus por Lázaro, por este ter passado pela morte sem a intervenção de Jesus. Ao longo dos séculos reverbera sempre a inquietante pergunta: Por que sofremos? Por que a nossa dor não cessa?

Chamo sua atenção para alguns pontos importantes no trato dessa matéria:

1. O sofrimento não é fruto do desamor de Deus, mas do pecado humano – O sofrimento é filho do pecado. Não tivesse existido a queda não haveria sofrimento. Somos concebidos em pecado e nascemos com uma natureza corrompida num mundo que está gemendo açoitado por muitas agruras. O sofrimento é a conseqüência inevitável do pecado. O pecado é como uma fonte poluída de onde flui copiosamente o sofrimento. O pecado é o solo onde crescem os espinheiros do sofrimento. O pecado é como um anzol que por trás da isca do prazer esconde a carranca do sofrimento e da morte.

2. O sofrimento é um aviso solene e altissonante aos ouvidos humanos – Se não houvesse a dor nós sucumbiríamos subitamente sem a mínima chance de buscarmos socorro. A dor é uma trombeta; o sofrimento, um aviso solene de que é impossível transgredir os preceitos de Deus sem sofrer as devidas conseqüências. Se a violação de uma lei física desencadeia uma conseqüência inevitável, assim também, a violação dos preceitos morais e espirituais deságua em sofrimento atroz. Muitos tentam abafar a voz da consciência e outros tentam negar a dor, mas mesmo aqueles que amortecem os efeitos da dor nesta vida, jamais poderão ficar incólumes do sofrimento eterno.

3. O sofrimento precisa ser nosso pedagogo e não nosso coveiro - Muitas pessoas se desesperam a ponto de dar cabo da própria vida ao passarem pelo vale do sofrimento. Há sofrimentos físicos, mentais, emocionais e espirituais. Há dores na alma que doem mais do que ter a carne fustigada pela doença. Não poucas pessoas revoltam-se contra Deus como a mulher de Jó, ao passarem pelas tempestades da vida. Em vez de serem como a cêra que se derrete ao sol, são como o barro que endurece ainda mais quando exposto ao seu calor. O sofrimento deve nos ensinar em vez de nos destruir. Ele deve nos tomar pela mão e nos ensinar a viver com mais sensibilidade e sabedoria em vez de nos enclausurar na cova existencial da morte. O rei Davi disse: “Foi-me bom passar pelo sofrimento, para que eu aprendesse os teus decretos” (Sl 119.71). É preciso deixar claro que nem todo sofrimento é fruto de um pecado específico ou de um castigo. O homem que nasceu cego estava sofrendo não por causa do seu pecado ou do pecado de seus pais, mas para que nele se manifestasse a glória de Deus (Jo 9.1-9). Nesse mundo passamos por aflição e importa que entremos no Reino de Deus por meio de muitas tribulações.

4. O sofrimento presente pode ser prelúdio da consolação eterna – O sofrimento deve ser visto à luz da eternidade. O sofrimento do justo é passageiro e suave quando comparado com as glórias por vir a serem reveladas nele. Nós temos uma boa esperança e uma consolação eterna. Aqui pisamos estradas crivadas de espinhos, mas, então, pisaremos ruas de ouro e cristal. Aqui nossos olhos ficam inchados de tanto chorar, mas, então, Deus enxugará dos nossos olhos toda a lágrima. Aqui, nós sofremos pela escassez, pela fraqueza, pela enfermidade e pelo luto, mas, então, receberemos um corpo de glória, semelhante ao corpo de Cristo. Aqui, vivemos como estranhos e peregrinos, mas em breve, mudaremos de endereço e viveremos na Casa do Pai, no Paraíso, na Nova Jerusalém, na Cidade Santa, onde a dor, a morte e o luto jamais entrarão. O sofrimento é um cálice amargo, mas ele findará; então, beberemos das fontes da água da vida, que jorram sem cessar do trono de Deus. Diante da carranca do sofrimento presente, podemos erguer a nossa voz e dizer como o apóstolo Paulo: “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação” (2Co 4.17)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A TRINDADE DIVINA



Introdução

                         A doutrina da Trindade, apesar de ter sido reconhecida depois de instituída a Igreja de Cristo, na verdade sempre esteve presente em toda a Revelação de Deus através das Escrituras.

                        Isto nos mostra a realidade da Trindade Divina, e o maravilhoso plano de Redenção de Deus aos homens. A concepção desta grande maravilha de Deus, não foi algo de fácil compreensão para os cristãos primitivos, visto em sua maioria estarem vindo da realidade de uma visão monoteísta.
Era desta forma que os judeus criam. Contudo, com a vinda de Cristo, a descida do Espírito Santo, e a revelação de Deus aos escritores do Novo Testamento, a Igreja passou por um processo de compreensão e entendimento dos valores da Trindade divina.

                        Nossa proposta é analisar e trazer alguma luz a esta tremenda realidade, a do Trino Deus, que age poderosamente através de sua Igreja.

TRINDADE

            Falar acerca da Trindade Divina é perceber que estamos mencionando um dos grandes mistérios da fé cristã. Isto, porque, há séculos atrás, ela já era discutida e questionada. O próprio Agostinho em suas confissões já indagava: “Quem compreende a Trindade Onipotente? E quem não fala dela ainda que não a compreenda? É rara a pessoa que ao falar da Santíssima Trindade saiba o que diz. Contendem e discutem. E Contudo ninguém contempla está visão sem ter paz interior.”

            As Escrituras afirmam que Deus é um, e que além dele não existe outro. (Is. 37.16). Contudo, a unidade divina é também uma unidade composta de três pessoas (personalidades) distintas e divinas, que são: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. Mas como entender? Como compreender as implicações que envolvem a Trindade Divina? Na verdade, não se trata de três deuses independentemente, mas sim, três pessoas (personalidades), compreendidas em um só Deus. Os três cooperam unidos e num mesmo propósito, de maneira que, no pleno sentido da palavra compreendem um.

O Pai cria, o Filho redime, e o Espírito santifica; e, no entanto, em cada uma dessas operações os três estão presentes de forma plena e absoluta.

A TRINDADE DECLARADA

            Diante da afirmação das Escrituras de que Deus é um, e que além dele não existe outro Deus, poderia surgir uma pergunta: Como podia Deus Ter comunhão com alguém antes que existissem as criaturas finitas? – A resposta é que a Unidade Divina é uma Unidade composta, e nesse contexto há realmente três pessoas (personalidades) distintas, consciente das outras duas. Entendemos então, que havia comunhão antes que fossem criadas quaisquer criaturas finitas. Deus, nunca esteve só.

            O Pai testificou do Filho (Mt. 3.17 ); e o Filho testificou do Pai ( Jo. 5.19 ). O Filho testificou do Espírito (Jo. 14.26), e mais tarde o Espírito testificou do Filho (Jo. 15.26). É difícil compreender? A doutrina da Trindade é claramente uma doutrina revelada, e não uma doutrina concebida pela razão humana. Só podemos aprender acerca da Natureza íntima de Deus, pela sua revelação. (I Co 2.16). Sendo assim, mesmo não estando expressa na Bíblia, a doutrina da Trindade sempre esteve presente no contexto pleno da Revelação de Deus em sua Palavra.

            Para ser preservada a doutrina da Trindade, objetivando o não deslocamento para os extremos, que podem ser vistos através do Sabelianismo e Triteísmo, a Igreja, formulou dogmas, isto é, interpretações que definissem a doutrina e a “protegessem” contra erros bíblicos. Como exemplo, temos o Credo de Atanásio, formulado no quinto século: “Adoramos um Deus em trindade, e trindade em unidade. Não confundimos as Pessoas, nem separamos a substância. Pois a Pessoa do Pai é uma, a do Filho outra, e a do Espírito Santo, outra. Mas no Pai, no Filho e no Espírito Santo há uma divindade, glória igual e majestade coeterna. Tal qual é o Pai, o mesmo são o Filho e o Espírito Santo. O Pai é incriado, o Filho incriado, o Espírito incriado. O Pai é imensurável, o Filho é imensurável, o Espírito Santo é imensurável. O Pai é eterno, o Filho é eterno, o Espírito Santo é eterno. E, não obstante, não há três eternos, mas sim, um eterno. Da mesma forma, não há três( seres ) incriados, nem três imensuráveis, mas um incriado e um imensurável. Da mesma maneira o Pai é onipotente. No entanto, não há três seres onipotentes, mas sim, um Onipotente. Assim o Pai é Deus, O Filho é Deus, e o Espírito Santo é Deus. No entanto, não há três Deuses, mas um Deus. Assim, o Pai é Senhor, o Filho é Senhor, e o Espírito Santo é Senhor. Todavia não há três Senhores, mas um Senhor. Assim como a veracidade cristã nos obriga a confessar cada Pessoa individualmente como sendo Deus e Senhor, assim também ficamos privados de dizer que haja três Deuses ou Senhores. O Pai não foi feito de coisa alguma, nem criado, nem gerado. O Filho procede do Pai somente, não foi feito, nem criado, nem gerado, mas procedente. Há, portanto, um Pai, não três Pais; um Filho, não três Filhos; um Espírito Santo, não três Espíritos Santos. E nesta trindade não existe primeiro nem último; maior nem menor. Mas as três pessoas coeternas são iguais entre si mesmas; de sorte que por meio de todas, como acima foi dito, tanto a unidade na trindade como a trindade na unidade devem ser adoradas”. (Dogma encontrado no Credo de Atanásio, formulado no quinto século)

            Apesar de parecer complicada e difícil de ser entendida, em razão dos pontos sutis que são observados, na igreja dos primeiros séculos, essa declaração demonstrou ser um meio eficaz para a preservação da doutrina. Com o dogma tais verdades preciosas e bíblicas foram protegidas de distorções.

A TRINDADE NO ANTIGO TESTAMENTO

            Observamos que no Antigo Testamento, não é ensinado clara e diretamente as verdades da Trindade, e a razão é evidente. Era comum entre os povos da época, o culto de vários deuses. Daí a necessidade de se acentuar em Israel, a verdade de que Deus é Um, e de que não havia outro além dele. Apesar da doutrina não ser explicitamente mencionada, sua origem pode ser vista no Antigo Testamento.

            Todos os membros da Trindade são mencionados no Antigo Testamento:

1-    O Pai. (Is. 63.16; Ml 2.10)

2-    O Filho de Jeová. (Sl. 45.6,7; 2.6,7,12; Pv.30.4) – O Messias é descrito com títulos Divinos. (Jr.23.5,6; Is 9.6) Faz-se menção do misterioso Anjo de Jeová que leva o nome de Deus e tem poder tanto para perdoar como para reter os pecados. (Ex.23.20,21).


3-    O Espírito Santo. (Gn 1.2; Is 11.2,3; 48.16; 61.1; 63.10 )

Prenúncios da Trindade veem-se na tríplice bênção de Números 6.24-26 e na tríplice doxologia de Isaías 6.3.

A TRINDADE NO NOVO TESTAMENTO

            Os cristãos primitivos mantinham como um dos fundamentos da fé o fato da unidade de Deus. Tanto ao judeu como ao pagão podiam testificar: “Cremos em um Deus.” Mas ao mesmo tempo eles tinham as palavras claras de Jesus para provar que Ele arrogou a si uma posição e uma autoridade que seriam blasfêmia se não fosse Ele Deus. Os escritores do Novo Testamento usam uma linguagem que indicava reconhecerem a Jesus como sendo “sobre todas as coisas, Deus bendito para sempre” (Rm 9.5). Os cristãos ao conhecerem a Jesus conheciam-no como Deus. Em relação ao Espírito Santo, os primitivos cristãos criam que o Mesmo morava neles, ensinando-os, guiando-os, e inspirando-os a andar em novidade de vida, e não era meramente uma influência ou um sentimento, mas um ser ao qual poderiam conhecer e com o qual suas almas poderiam Ter verdadeira comunhão. Viram também pelas Escrituras, que Ele era descrito, como possuindo os atributos de uma personalidade.

            Vemos então a Igreja se defrontando com as tremendas realidades de que Deus é um, e que o Pai é Deus; o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus. E que essas realidades constituem a doutrina da Trindade. Deus o Pai era para eles uma realidade, o Filho era também uma realidade e igualmente o Espírito Santo era também uma realidade. Chegaram então a única conclusão de que havia na Divindade uma verdadeira, embora misteriosa, distinção de personalidades, e que se tornou manifesta na obra divina para redimir o homem. Várias passagens no Novo Testamento mencionam as três Pessoas Divinas.

Temos: Mt 3.16,17; 28.19; Jo 14.16,17,26; 15.26; II Co 13.14; Gl 4.6; Ef. 2.18; II Ts 3.5; I Pe. 1.2; Ef. 1.3,13; Hb 9.14 )
         
Conclusão

                        Diante de tais verdades acerca de Deus revelado a nós pela sua Trindade Divina, resta-nos somente louvá-lo, pela maneira tão especial que Ele tem se revelado a nós. Revelação esta manifesta pelo seu amor. Temos um Deus com três personalidades distintas, mas que participam juntos da maravilhosa obra de Redenção do homem.


Pr. Waldyr do Carmo
Igreja Casa de Oração Cehab

sábado, 17 de novembro de 2012

esconstruindo Mitos sobre Calvino


Boa noite Bereiano! Sábado, 17 de novembro de 2012

0Desconstruindo Mitos sobre Calvino



Em 2009, comemorou-se 500 anos do nascimento de João Calvino. Na ocasião, Franklin Ferreira escreveu o texto abaixo para desconstruir muitos mitos à respeito deste reformador. A intenção não é colocar Calvino em um pedestal da perfeição, mas tirar alguns preconceitos da mente de muitas pessoas, talvez até da sua.
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Por Franklin Ferreira

Grande parte da cristandade celebra os 500 anos do nascimento de João Calvino neste ano. Infelizmente, as imagens populares que se tem do reformador francês são muitas vezes distorcidas, cercadas por mitos que não representam o verdadeiro Calvino e seu decisivo ministério de quase 25 anos na cidade suíça de Genebra. Na tabela abaixo, oferecemos ao leitor um rápido panorama dos principais mitos construídos em torno de Calvino, e o quadro real que emerge do estudo sério de sua vida e influência na igreja e sociedade ocidental.

Mito: Calvino inventou a doutrina da predestinação.

Fato: Entre outros, Agostinho, Anselmo, Aquino, Lutero e Zwinglio ensinaram e escreveram sobre a doutrina da predestinação antes de Calvino, enfatizando a livre graça de Deus triunfando sobre a miséria e escravidão ao pecado.

Mito: A doutrina da predestinação é central na teologia de Calvino.

Fato: Em seus escritos, especialmente nos comentários, Calvino trata do tópico quando o texto bíblico exige. E como alguns eruditos têm sugerido, o tema central de sua teologia parece ser a união mística do fiel com Cristo.

Mito: Calvino não tinha interesse em missões.

Fato: Entre 1555 e 1562 um total de 118 missionários foram enviados de Genebra para o exterior – um número muito superior ao de muitas agências missionárias da atualidade. E os primeiros mártires da fé evangélica nas Américas foram enviados por Calvino ao Brasil para encontrar um lugar de refúgio para os reformados perseguidos na Europa e evangelizar os índios.

Mito: A crença na predestinação desestimula a oração.

Fato: Calvino escreveu mais sobre a oração do que a predestinação nas Institutas, enfatizando a oração como um meio de graça por meio do qual a vontade de Deus é realizada e suas bênçãos são derramadas.

Mito: Calvino é o pai do capitalismo.

Fato: As forças que moldaram o capitalismo moderno já estavam presentes na cultura ocidental cerca de 100 anos antes da reforma. O que Calvino valorizou em seus escritos foi o estudo, o trabalho, a frugalidade, a disciplina e a vocação como meios de superar a pobreza. Ele não condenou a obtenção de lucros advindos do trabalho honesto.

Mito: Calvino foi o ditador de Genebra.

Fato: Ele tinha pouca influência sobre as decisões acerca do ordenamento civil da cidade e não tinha direito de voto em decisões políticas ou eclesiásticas no conselho municipal. Sua influência era persuasiva, por meio de seus sermões e escritos. Em países influenciados pelo pensamento calvinista não surgiram ditadores, nem nas esferas políticas muito menos nas eclesiásticas.

Mito: Calvino mandou matar Miguel Serveto.

Fato: Serveto foi executado por ordem do conselho municipal de Genebra por heresia, especialmente por negar a doutrina da Trindade. Ele havia sido condenado pelas mesmas razões por dois tribunais católicos, só escapando da morte por ter fugido da França. Inexplicavelmente ele foi para Genebra. No fim, todos os reformadores europeus apoiaram unanimemente a decisão do conselho de Genebra.

Mito: Os ensinos de Calvino são social e politicamente alienantes.

Fato: Pode-se ver a influência do pensamento de Calvino na revolução puritana de 1641 e na primeira deposição e execução de um rei tirano em 1649, na Inglaterra; no surgimento do governo republicano (com a divisão e alternância do poder, além de ênfase no pacto social); na revolução americana de 1776; na libertação dos escravos e na defesa da liberdade de imprensa.

Mito: Calvino não tinha interesse em educação.

Fato: Calvino não só inaugurou uma das primeiras escolas primárias da Europa como ajudou a fundar a Universidade de Genebra, em 1559. Algumas das mais importantes universidades do ocidente, como Harvard, Yale e Princeton foram fundadas por influência dos conceitos educacionais do reformador francês. A imagem permanente associada às igrejas reformadas é que estas sempre têm uma escola ao lado.

Mito: Os ensinos de Calvino não são bíblicos.

Fato: Calvino enfatizou fortemente a autoridade e prioridade das Escrituras e praticamente inaugurou o método histórico-gramatical de interpretação bíblica. Escreveu comentários sobre quase todo o Novo Testamento e grande parte do Antigo Testamento, além de milhares de sermões. E sua grande obra foi as Institutas da Religião Cristã, que seria “uma chave abrindo caminho para todos os filhos de Deus num entendimento bom e correto das Escrituras Sagradas”. O reformador francês lutou para que toda a sua cosmovisão estivesse debaixo da autoridade da Bíblia.

Não quero tratar Calvino de forma não-crítica ou iconográfica. Ele era consciente de suas fraquezas e pecados, e suas muitas orações preservadas dão testemunho de sua humildade e dependência da graça abundante de Deus em Jesus Cristo. O que almejo é levar o amado leitor a deixar de lado as caricaturas e ir direto à fonte, estudando e meditando nas obras de Calvino, reconhecendo-o e levando-o a sério como mestre da igreja (praeceptor eccleisiae). Os benefícios de tal estudo serão incalculáveis para sua vida e para aqueles ao seu redor.

Agradeço aos amigos Augustus Nicodemus e Solano Portela por sugestões acrescentadas a esta tabela.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O Suicídio e o sexto mandamento: "Não Matarás"


O Suicídio e o sexto mandamento: "Não Matarás"

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Por 
 François Turretini (1623-1687)



XXIII. Que o suicídio (autocheirian) é um crime em extremo hediondo, transparece das razões seguintes: um suicida (autocheir) peca contra Deus por tripudiar sua autoridade, porque é o único Senhor da vida; sua bondade, por havê-lo preservado tão bondosamente entre os vivos; sua providência, cuja ordem o suicida tudo faz para perturbar. Ele peca contra si mesmo por violar a inclinação natural que inspira a cada um o amar a si próprio e a nutrir a preservar sua própria carne (Ef 5.29). Ele peca contra o Estado por destruir um de seus cidadãos; contra sua família por dilacerar violentamente um membro e (talvez o principal) precipitar todos os seus familiares em desgraça, tristeza e luto; contra a igreja e a religião por estigmatizar o sistema cristão com ignomínia, causando tristeza a todos, escandalizando os bons e ocasionando escárnio aos inimigos. Opõe-se à lei da natureza, a qual obriga a cada um à auto-preservação; e à confiança e piedade em Deus, que deve receber todos os males, ou descansando em nós ou nos ameaçando, como de Deus; à sabedoria, porque este crime é concretizado não tanto por reflexão quanto por fúria e impulso selvagem. Nem mesmo Sêneca pôde negar isto: "Um homem sábio não deve dar ajuda a seu próprio castigo; é insensatez morrer pelo medo da morte" (Epistle 70 [Loeb, 2:60,61]). Opõe-se a justiça, porque o homem não é mais senhor de sua própria vida do que da de outro. Ele é um servo que tem um senhor, um soldado que tem um general. Ele é colocado em seu próprio posto; não deve ser irregular (leipotaktes) nem deserdar a seu bel-prazer, mas deve deixar que outro o despeça. Isto é expresso na mais excelente forma pelo próprio Epicteto, que ordena que os homens esperem até que Deus dê o sinal (ekdechesthai ton theon) e nos descarte deste serviço (Discourses 1.9.16 [Loeb, 1:68,69]). Opõe-se à força de vontade, porque se origina de uma impaciência ante o mal enviado, ou do medo de que este seja enviado, seja a fim de poder removê-lo ou evitá-lo. Daí Agostinho dizer com propriedade que o suicídio não pertence à magnanimidade, e que merecidamente se diz que tem maior alma quem pode suportar uma vida de tribulações do que quem foge dela (CG 1.22* [FC 8:54]). Opõe-se ao consentimento dos mais sábios entre os pagãos, seja gregos ou romanos: Pitágoras, Platão, Aristóteles, Sêneca, Cícero entre outros, os quais confessam que ele é perverso. Cabem aqui os exemplos de auto-homicídio (autocheirias) registrados nas Escrituras, os quais são atribuídos somente aos incorrigíveis: em Saul (1Sm 31.4); em Aitofel (2Sm 17.23); em Judas Iscariotes (Mt 27.5; At 1.18)

XXIV. O exemplo de Sansão (Jz 16.30) não favorece o suicídio (autocheiria), porque nas ruínas da casa que ele derrubou ele se sepultou não menos que os demais. Este foi um feito singular, perpetrado pela influência extraordinária do Espírito Santo, como transparece tanto do apóstolo (Hb 11.34), que declara que ele fez isso pela fé, baseado nas orações que ofereceu a Deus para a obtenção de força extraordinária para este ato, e no fato de que elas foram ouvidas (Jz 16.28). Deus aumentou sua força e lhe outorgou o desejado sucesso para que assim ele fosse um eminente tipo de Cristo, que causa grande destruição de seus inimigos por meio de sua morte e que quebra o jugo tirânico posto no pescoço de seu povo. Finalmente, o desígnio não visava simplesmente a uma vingança privada, mas à vindicação da glória de Deus, da religião e do povo, visto que ele era uma pessoa pública e levantada por Deus dentro o povo como vingador.

XXV. Tampouco os exemplos de Eleázar, irmão de Judas Macabeus, que morreu ao rastejar-se debaixo de um elefante e ser esmagado pelo mesmo (1Macabeus 6.43-45); e de Razias (que se matou com sua própria espada, 2Macabeus 14.41,42) favorecem o suicídio, porque são extraídos de livros apócrifos. Não pode ser chamado generosidade, mas o cúmulo da pusilanimidade, alguém voluntariamente precipitar-se em sua total destruição em virtude de um mal incerto. Não fazem parte do presente caso os exemplos dos que desejaram enfrentar perigos extremos em prol de seu país ou de amigos, com o intuito de adquirir a tranquilidade e segurança de outros por meio de sua própria morte. Uma coisa é alguém expor-se aos perigos motivado pela pressão da necessidade e em resposta a uma chamado especial de Deus; outra é matar-se. Tampouco deve ser considerado suicida (autocheir) quem entrega sua vida por outro, pois então, ao entregar Cristo sua vida por nós, teria ele sido suicida (autocheir) (o que ninguém diria).

XXVI. O ato dos que destroem seus navios (como às vezes ocorre com marinheiros que, reduzidos a uma situação extrema, ateiam fogo a seu próprios navios para que não se vejam sob a tirania dos inimigos; nem os instrumentos militares, em seu poder, sejam revertidos pelo inimigos à destruição e seu país nativo e para que as mesmas ações inflijam dano ao inimigo, eliminando-se juntamente com o navio), embora seja aprovado por certos teólogos (ou afastado da esfera do suicídio (autocheiria), porque não se destinavam à sua própria destruição, mas à matança do inimigo e para o bem de seu país); não obstante, de modo algum é aprovado por nós e por muitos outros. Por meio deste ato, direta e voluntariamente, trazem a morte sobre si mesmos como uma causa física e moral; e assim não podem escapar ao crime de auto-homicídio (autophonon). Além disso, nele contrariam a confiança em Deus, limitando sua providência, como se nele não existissem mil maneiras de escape mesmo quando presumimos que estamos cercados de todos os lados. Opõem-se à prudência cristã porque comparam uma certa e presente destruição com uma chance e um evento incertos, e atribuem maior peso àquela. Poderia, se bem que quase vencidos, sair-se superiores; o inimigo poderia poupar suas vidas; alguns poderiam salvar suas vidas nadando ou de alguma outro maneira. Opõem-se à força, pois constitui bravura não abandonar vilmente nosso posto desesperando da vitória ou da segurança, mas lutar até o último suspiro. Opõe-se ao amor e à bondade para com as pessoas desvalidas: os idosos, os fracos, os doentes, as crianças - a quem os próprios inimigos poderiam poupar e em sua maioria costumam poupar. Portanto, tais pessoas não podem ser absolvidas na culpa, segundo a regra do apóstolo (não praticar males para que venham bens); nem pode alguma lei, seja de guerra ou do Estado, fazer oposição à sanção divina. Embora tais atos às vezes possam ser escusados um tanto, contudo não podem ser escusados de todo, quer digam que os pratiquem como pessoas privadas que como servos públicos. Não pode a autoridade pública obrigar-nos em oposição à autoridade divina. Tampouco pode alguma desvantagem feita ao inimigo ou vantagem ao país ser tão grande que absolva a consiciência aqui. Nem pode a intenção de injuriar o inimigo ser totalmente abstraída do certíssimo conhecimento de destruir-se juntamente com o inimigo e de trazer sobre si morte indubitável.

XXVII. É bom retribuir a Deus o que dado por ele, mas quando isso é exigido de nós como devolvido de maneira devida; no entanto, não quando nem é exigido nem devolvido da maneira devida. Admitimos que a morte é às vezes melhor que a vida; porém infligida por outros, não buscada por nós mesmos. A morte pode ser licitamente desejada, porém não buscada. Assim como a vida é recebida só pela vontade divina, assim também não deve ser entregue a não ser por sua ordem. É bravo desprezar aquele terribilíssimo mensageiro (to phoberotaton) de Deus; porém, precipitar-se sobre ele voluntariamente é temerário e insano (o que Aristóteles, Nichomachaen Ethics 3.8 [Loeb, 19:163-171]), ensina que não e bravura, mas covardia). E também o amor pelo país, a segurança de outros e o anelo pela imortalidade, que podem impelir à brava sujeição à morte enviada contra nós, não devem ter a mesma influência em levar-nos a convidá-la quando não enviada.

XXVIII. Uma coisa é suportar a morte, deixar-se matar; sim, inclusive apresentar-se a ela bravamente ante o chamado de Deus. Outra coisa é matar-se. O primeiro caso, em algumas circunstâncias, é lícito, e Cristo, os mártires e os heróis fizeram algo semelhante; porém não igualmente o segundo caso.

XXIX. "Dar o próprio corpo para ser queimado", no dizer de Paulo (1Co 13.3), não é um ato temerário e destituído de valor, pela qual alguém voluntaria e desnecessariamente se expõe à morte em prol da causa de Deus. Antes, é um ato necessário e santo, pelo qual ele enfrenta o martírio atendendo ao chamado de Deus e não recusa tal chamado, ou mentindo, ou negando a verdade pelo amor da família ou do mundo, quando lhe cabe por sorte ser levado aos tribunais dos pagãos pelos inimigos do evangelho.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Teologia Pentecostal: Estado Laico? Sim! Estado antirreligioso? Não!

Teologia Pentecostal: Estado Laico? Sim! Estado antirreligioso? Não!: Que o Estado seja neutro. Não religioso. Não arreligioso .  Por Gutierres Fernandes Siqueira “Partido da liberdade ilimitada, chego a...

Estado Laico? Sim! Estado antirreligioso? Não!

Que o Estado seja neutro. Não religioso. Não arreligioso

Por Gutierres Fernandes Siqueira
“Partido da liberdade ilimitada, chego ao despotismo ilimitado. Acrescento, não obstante, que não pode haver nenhuma solução da fórmula social a não ser a minha” [Shigaliov, em Os demônios (1), de Dostoiévski]

O Brasil é regido pelo laicismo. Graças a Deus! Não há uma religião ou igreja oficial. Isso é ótimo! A separação da Igreja e do Estado está clara nas palavras de Jesus: “Dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" [Mateus 22.21]. Eu detesto a ideia de um Estado misturado com uma religião. Já escrevi sobre isso. Veja aqui e aqui.

Todos vocês sabem que um procurador do Ministério Público, certamente buscando publicidade, intimou o Banco Central do Brasil para retirar a frase “Deus seja louvado” das notas monetárias. Segundo o procurador, o objetivo é defender o Estado laico e liberdade religiosa (sic)!

Por que isso é um absurdo? Ora, esses promotores seguem a velha máxima do iluminismo francês que não sabe diferenciar Estado laico de Estado secular. O laicismo não significa a exclusão da religião do espaço público, mas a convivência de todos os credos religiosos e não-religiosos. O Banco Central respondeu sabiamente: “A República Federativa do Brasil não é antirreligiosa ou anticlerical, sendo-lhe vedada apenas a associação a uma específica doutrina religiosa ou a um certo e determinado credo”.

O que essa parte do Ministério Público quer? Ora, na verdade é a implantação do Estado secular. O secularismo radical sonha com o Estado em que o religioso se coloca em âmbito fechado. Não vai demorar para que surjam a proibição da Bíblia pela sua “defesa” homofóbica e/ou escravocata, segundo a leitura míope de alguns. Essa aberração é muito diferente do laicismo.

A questão aqui não é uma frase. Se a frase não existisse em nada mudaria nossas vidas, mas a questão é o espírito da crítica desses procuradores. É um pequeno sinal que muitos sonham com a exclusão total do religioso na esfera pública. Ou seja, há motivos para preocupação. O que está em perigo é, no fundo, a própria liberdade.  Repito a essência da frase de Shigaliov: eles dizem que lutam pela liberdade enquanto implantam um despotismo. 


Que Deus seja louvado!