sexta-feira, 20 de julho de 2012

A VERDADEIRA ORIGEM DA KIPÁ


A VERDADEIRA ORIGEM DA KIPÁ
I - Introdução
     A kipá, ou solidéu como é conhecida popularmente entre os não judeus, é hoje praticamente uma unanimidade no meio judaico. Poucos, todavia, conhecem sua origem, ou já se indagaram se o seu uso reflete as práticas do Judaísmo bíblico, ou dos israelitas da antiguidade. Os que defendem o uso da kipá entendem que o cobrir a cabeça indica temor dos céus, e que essa prática teria embasamento nas Escrituras.
     Este estudo se propõe a investigar essas alegações, buscando a verdadeira origem histórica do solidéu, e verificando o que dizem as Escrituras a esse respeito.
II - A Origem Histórica do Solidéu
     Mesmo que objetivo desta seção seja uma investigação histórica, a Torá nos dá um ponto de partida muito interessante ao afirmar: “Não cortareis o cabelo em redondo, nem danificareis as extremidades da barba pelos mortos; não ferireis a vossa carne; nem fareis marca nenhuma sobre vós. Eu sou YHWH”. [Vayicrá/Levítico 19:27,28]. Vale ressaltar ao leitor que o hebraico apresenta um texto corrido, e que a pontuação e a divisão de versículos é algo introduzido pelas traduções.
     O texto acima fala de alguns rituais de luto que são proibidos pela Torá. Dentre eles, destaca-se o ritual da tonsura, um ritual de raspagem dos cabelos, deixando uma superfície calva no topo da cabeça, de modo que os cabelos crescessem apenas como um halo redondo em torno da mesma. Esse tipo de ritual de luto era comum entre os antigos sumérios, e por esta razão, os israelitas tiveram bastante contato com ele nos tempos antigos. Sobre isso, Brian B. Schmidt, professor de bíblia hebraica e cultura semita da Universidade de Michigan, afirma: “Laceração e tonsura são atestados como rituais de luto dentre diversos povos do Oriente Médio. Alster nota que [os textos da] Descida de Inanna ao Mundo dos Mortos (versões suméria e acadiana), Gilgamesh, Enkidu e o Mundo dos Mortos (versões suméria e acadiana) e o Épico de Gilgamesh (acadiano) contêm reflexões mitológicas dos rituais de luto envolvendo autolacerações e tonsura. Rowley [também] citou referências na literatura grega clássica”. (Israel's Beneficient Dead, pg. 174).
     Por hora, será deixada de lado a referência aos gregos (que será retomada mais adiante), e o foco será dado ao hábito que aparece na antiga região da Mesopotâmia. A grande questão que fica é: Por que a Torá proibiria esse rito de luto em particular? É importante ressaltar que a Torá não se ocupava de condenar qualquer tipo de costume local, mas sim principalmente aqueles que de alguma forma estavam ligados à idolatria.
a) - A Adoração a Shamash
     Na região da antiga Bavel (Babilônia), a tonsura não era apenas um rito de luto, mas também um símbolo da devoção a Shamash, o deus-sol do antigo panteão babilônio. O acadêmico James Hastings cita a tonsura como uma forma de rito iniciático de dedicação dos sacerdotes aos deuses babilônios:
     As placas representam o rei Ur-Nina (Louvre) como um portador de cesto, e também assentado, mostram-no na companhia de seus oito filhos, os quais, de pé perante eles, curvam suas cabeças em sinal de respeito. Com a exceção do primeiro, todos têm suas cabeças raspadas, e é possível que o cabelo do mais velho tenha um tipo de tonsura. “O raspar a cabeça é considerado sinal de ranking sacerdotal, e essas placas parecem provar que até meras crianças eram iniciadas...” (Encyclopedia of Religion and Ethics, parte 6). Ao lado, gravura da tábua babilônia de Ur-Lina, em exposição no museu do Louvre. Conforme Hastings atesta, pode-se perceber a tonsura no filho mais velho do rei. Sobre a tonsura sacerdotal, Hastings continua: "Existem muitas referências à consagração sacerdotal, mas nada é tão conhecido como as marcas distintas que os sacerdotes portavam. As impressões de selo [N. do T. as tábuas babilônias eram impressas com selos cilíndricos em argila] mostram que eles frequentemente se raspavam, e parece certo que isso era parte do rito de consagração, que era realizado pelo shui (Sum.) ou gallabu (Sem.) Seu trabalho era provavelmente realizado perante a estátua da divindade a quem o neófito era dedicado. A isto aparentemente se sucedia o dar a tiara sacerdotal." (ibid, parte 19).
     É importante que o leitor compreenda que o significado do termo “tiara” aqui usado é um “ornamento de cabeça.” Mas, como era o ornamento de cabeça dos iniciados no sacerdócio babilônio, dentre os quais se destacava o sacerdócio de Shamash? Diversas tábuas babilônias demonstram que ornamento de cabeça era usado como símbolo de Shamash. A mais evidente dessas tábuas (à direita) é uma tábua do século 9 AC, que mostra o próprio deus-sol Shamash e seus súditos. Pode-se observar que esse ornamento de Shamash tinha uma forma semelhante a uma cuia, e cobria a cabeça exatamente onde a tonsura era realizada. Abaixo, algumas outras tábuas:
      Esse tipo de ornamento dos sacerdotes de Shamash também aparece em outras imagens, ornando tanto homens, quanto mulheres, e até mesmo outras divindades como Ishtar e Tamuz. Existem, algumas tábuas da coleção de Ashurbanipal, em exposição no Museu Britânico. São tábuas do século 7 AEC, embora especule-se que sua origem possa estar por volta do século 17 AEC. Embora não seja a única forma de cobertura de cabeça a figurar nas tábuas babilônias, o disco-solar de Shamash é sem sombra de dúvidas o mais predominante. Até mesmo outras divindades aparecem trajando-o, demonstrando a grande importância que os babilônios davam ao sol. Isso pode ser visto em imagens como a do casamento de Ishtar e Tamuz, que é representado na gravura arqueológica ao lado.
b) - De Shamash a Mitra
     Ao longo dos séculos, o panteão e a teologia babilônia evoluíram, embora a devoção ao sol permanecesse uma de suas marcas mais identificáveis. Já próximo aos tempos de Yahushua, a religião dos Mistérios de Mitra (cuja mitologia foi incorporada ao Zoroastrismo) era bastante popular na Babilônia, e com o passar do tempo foi ganhando cada vez mais força. Mitra era uma divindade solar, que acabou incorporando boa parte da devoção e das características do antigo deus Shamash.
     Abaixo, pode-se ver a predominância de Mitra em um mural do século 3 EC, o mural da investidura do imperador Ardashir. À esquerda, pode-se ver Mitra com seus inconfundíveis raios solares, e o seu solidéu (um dos dois chapéus utilizados no Mitraísmo). A religião dos Mistérios de Mitra tornou-se bastante popular também em outras culturas, tendo influenciado não apenas gregos, como também romanos.
     Os seguidores de Mitra tinham como marca distinta os seus dois tipos de cobertura de cabeça: o chapéu fírgio, e o solidéu. Sobre isso, em sua obra acerca das origens e do significado do solidéu, o reverendo Antonio Hernandes nos relata: "… a igreja primitiva (católica romana) roubou muitos dos hábitos, vestimentas e costumes mitraístas. Todos os mitraístas usavam um solidéu especial, todo mitraísta que comete-se pecado era condenado, entre outras coisas, a usar um solidéu de pele de porco! Seu profeta, Mitra, usava um solidéu e um chapéu pontudo supostamente de design fírgio, e era ele quem originalmente mostrou todos os atributos do Cristo [romano]. Mas diferentemente do Cristo, Mitra emergiu de uma rocha, completamente nu e belo, usando seu solidéu orgulhosamente." (My Kingdom for a Crown: An Around-the-World History of the Skullcap and its Modern Socio-Political Significance).
     Até hoje, os zoroastristas (também conhecidos como parsis), utilizam a mesma cobertura de cabeça dos mistérios mitraístas, como pode ser visto em algumas fotos abaixo:
YHWH permitindo continuaremos amanhã...

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